"Prédio de único proprietário": Pode cobrar cota condominial?

24/08/2020

Uma aluna do curso de especialização em direito imobiliário fez uma pergunta muito pertinente: 

"fiquei em dúvida sobre uma prática que me parece bastante usual: a cobrança de "taxa de condomínio" de inquilinos de lojas em edifícios de um só proprietário, tais como galerias e shoppings. 

Nesses casos, não existindo multiplicidade de proprietários, não seria irregular este tipo de cobrança sob denominação de "taxa de condomínio"? E, se irregular, existe alguma modalidade de taxa fixa mensal que possa ser exigida dos inquilinos pelo proprietário único das unidades para custeio/manutenção das áreas comuns?

A pergunta muito inteligente e perspicaz inspirou-me a escrever, brevemente, sobre este tema outrora polêmico. 

Nas décadas de 70 e 80, era muito comum os construtores erigirem prédios. Por algum tempo, não havia o reconhecimento da possibilidade de cobrança de "cota condominial". 

Depois, a doutrina e a jurisprudência começaram a reconhecer que  embora a propriedade não fosse de pessoas distintas, o uso das unidades o era. 

Então, como havia diferentes usuários, aflorou o entendimento de que eles poderiam custear as manutenções, em virtude de serem os beneficiários diretos e diários da estrutura e serviços condominiais, como limpeza, etc.


Nesta evolução, adveio a lei 8.245/91 cujo art. 23, § 3º previu: "§ 3º No edifício constituído por unidades imobiliárias autônomas, de propriedade da mesma pessoa, os locatários ficam obrigados ao pagamento das despesas referidas no § 1º deste artigo, desde que comprovadas".


Portanto, mesmo que o prédio não seja um condomínio edilício, a lei viabilizou o rateio das despesas pelos usuários, quando locatários.

Caso interessante, ao revés, foi de uma locatária contra o "condomínio inexistente". O prédio era de um só dono, que rateada as despesas de manutenção, dentre elas energia elétrica. Disse o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

 Tratando-se de coisa que pertença exclusivamente a um único dono, não há se falar em condomínio, o que só se dá quando sobre a mesma coisa houver dois ou mais proprietários. Prédio de 15 andares cuja despesa de energia elétrica é rateada entre os locatários que não figuram na relação processual.

Entendeu o Tribunal que era teria que ajuizar ação contra o proprietário do prédio e não o condomínio (que inexistia), "sob pena de haver indevida responsabilização dos demais locatários que não integram a relação processual".

Lendo-se o acórdão, denota-se uma certa confusão decorrente de algumas práticas irregulares (p.ex. o prédio tinha um "síndico", quando deveria ter um administrador como mero gerenciador das despesas, ...). Mas o Tribunal colocou as questões "nos eixos", identificando as relações jurídicas. Fonte: Apelação Cível, Nº 70014673784, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Victor Luiz Barcellos Lima, Julgado em: 23-07-2013.

 Em suma, para instituir o rateio de despesas sem a caracterização de condomínio edilício, é necessário que para cada unidade autônoma seja possível identificar ocupantes independentes em relação ao conjunto da edificação, aos quais se possa legitimamente atribuir responsabilidade pelo cumprimento da obrigação derivada dos serviços prestados.

Esta conceito da Apelação Cível 0194200-81.2012.8.26.0100 do TJSP calha perfeitamente para a discussão ora posta.

Ceres Linck dos Santos